O Nosso Eléctrico
domingo, 23 de maio de 2010
O nosso artigo sobre o eléctrico de Sintra, de 30 de Abril, tem vindo a gerar alguma controvérsia. O respeito pela diversidade de opiniões e o debate de ideias que aquela sempre origina, constituem algo que nos agrada e motiva. Os comentários que recebemos, ainda que defendendo pontos de vista opostos, foram por nós publicados aqui.
Hoje, publicamos o comentário de um nosso leitor, cuja opinião é concordante com a do Chá de Sintra. Não só porque o subscrevemos totalmente, mas também porque nos revemos no rigor e na seriedade que dele sobressaem.
"Caras Amigas,
Considerei muito sedutor o texto que divulgaram sobre o eléctrico. Partilho o vosso olhar sobre os encantos de Sintra, e confesso o meu grande carinho relativamente ao eléctrico. Uma coisa é, porém, o eléctrico em si, a sua história, e o particular lugar que ocupa no nosso imaginário afecto à região, outra, infelizmente muito diferente, é o eléctrico na versão reabilitação operada nos últimos anos.
Sob este ponto de vista, vou usar três singelas expressões, que resumem e traduzem a triste realidade: buraco financeiro, insucesso económico, miragem turística.
No que respeita à primeira expressão, os muitos milhões de euros afectos à reconstrução da linha e operacionalidade do eléctrico, não encontram suporte nos critérios que devem presidir á boa gestão na aplicação de fundos, tenham estes a origem que tiverem, ou sejam quais forem as boas intenções subjacentes ao investimento. Não só o investimento inicial conteve erros e foi insensato, como também os permanentes e sucessivos investimentos posteriores vieram agravar o resultado. Qualquer abordagem racional que se faça dessa matéria, conduzirá certamente a conclusões absurdas, seja em termos absolutos, seja pela ponderação de parâmetros de valor acrescentado, ou de controlo de gestão. Seria interessante ver divulgado, por exemplo, o custo auditado, de passageiro transportado, ou km percorrido. Numa região tão carenciada, e não será preciso ir mais longe do que a própria Vila, não é de admitir a desgastante afectação de recursos financeiros ao eléctrico, sabendo-se, ou devendo-se saber pelo menos, que os recursos financeiros são por natureza escassos, e que independentemente da sua origem, têm sempre um custo.
Do ponto de vista económico, o desastre afigura-se total. A quantidade de passageiros transportados, ou o número de horas de efectiva operacionalidade do eléctrico, notoriamente significam uma conta de exploração altamente deficitária, cujo saldo negativo só poderá ser eliminado por novas aplicações de recursos financeiros, os mesmos que são escassos, e que têm um custo. Anteciparei que a desculpa óbvia e vulgar para estas distorções consiste em apelidar estas conclusões de economicistas, e insensíveis a valores culturais, cuja bitola de aferição não é o vil metal. Mas é também óbvio que justificações deste calibre reconhecem implicitamente os erros que se pretendem justificar, e nelas só acredita quem, por qualquer razão, nas mesmas encontra algum conforto. Nenhuns investimentos, nem mesmo os de carácter predominantemente cultural, devem pactuar com práticas de desperdício.
O pressuposto do ícone turístico do eléctrico contém qualquer coisa de intrinsecamente delirante. Quantos turistas, estrangeiros ou portugueses, encontraram na existência do eléctrico, a grande motivação para fazerem a sua viagem com destino a Sintra? Na amostra que os meus conhecimentos traduzem, nenhum! Concedamos no entanto, e por hipótese, que esta amostra é deficientemente representativa, e que na realidade, alguns turistas responderam afirmativamente ao apelo do eléctrico, e vieram propositadamente ao seu encontro. Cabe então perguntar: esteve o eléctrico à altura de lhes proporcionar a devida recompensa? Adivinha-se a resposta, tendo em conta que aquele está mais tempo parado do que a circular, e que a paisagem que o enquadra está em muitos pontos degradada, ou cheia de lixo, ou invadida pela pressão urbanística.
A imagem deprimente da linha do eléctrico, como que abandonada, ou salpicada aqui e ali de pacientes manutenções, e custosas correcções, é intolerável para quem, e parecem ser muitos, tem verdadeira e sensata estima pelo eléctrico.
A tristeza decorrente da passagem do eléctrico, de vez em quando, com meia dúzia de passageiros daqueles que o procuram deliberadamente, e não dos outros que lá são metidos, é confrangedora para quem reconhece ao eléctrico um lugar que não lhe está ser proporcionado.
A versão actual de reabilitação do eléctrico constitui uma ofensa à verdadeira memória histórica do mesmo, e aquilo que deveríamos recordar como tendo sido o papel social por ele desempenhado.
Uma diferente e nova abordagem da reconstrução do eléctrico, no meu entender muito mais saudável do ponto de vista integrado das vertentes financeira, económica e cultural, pressupõe uma esclarecida compreensão da forma da sua interacção com a sociedade dos nossos dias.
Este comentário já vai longo, por isso deixo essa minha possível intervenção virada para o futuro, para uma próxima ocasião, se para a mesma surgir oportunidade no vosso blog.
Continuem, os vossos conteúdos são muito interessantes, e o estilo, conforme já dei a entender, muito sedutor."
Nelson Santos
6 comentários:
Caro Nelson,
Estou inteiramente de acordo com a sua perspectiva! Enjoa-me ver dinheiro a ser deitado fora, sobretudo quando temos diariamente exemplos de casos extremos de necessidade de intervenção e que esta autarquia parece ignorar...
1) o problema do estacionamento da Praia Grande... salve-se quem puder à boa moda de um país do terceiro mundo!
2) a contenção da arriba da Praia Pequena... Uma vergonha e um perigo público. Uma praia linda naquele estado...
3)a vergonha do parque de campismo da praia grande... Francamente! não há comentários possíveis...
os caminhos florestais da serra absolutamente destruídos e ao abandono...
4)as lixeiras clandestinas nos pinhais... Belos monumentos de sanitas e urinóis! o Marcel Duchamp havia de achar piada...montes de objectos para o readymade!
5) a falta de passeios marítimos... um dos nossos melhores recursos turísticos, a costa, não tem absolutamente nada que a valorize... um passeio pedonal, ciclovia, parques infantis esplanadas de qualidade... enfim.
...e muitos mais outros casos onde metade do orçamento do eléctrico fariam certamente toda a diferença...
Bom Nelson, seria interessante ler a respeito destes assuntos vindo de si. Aguardo notícias.
Marcel Duchamp
Caras Amigas e prezado Nelson Santos,
Estou inteiramente de acordo com o vosso ponto de vista e considero, efectivamente que o eléctrico deveria estar num museu e o dinheiro do erário público preservado para tantas obras e melhoramentos que se impõem nesta zona. Esta ideia de manter o eléctrico parece-me fundamentada naquele saudosismo português, em manter algo que deixou de ter qualquer utilidade e, de momento, prejudica mais do que traz benefícios.
Assim, gostaria de salientar o seguinte:
1. Perigosidade da estrada
A estrada entre Sintra e a Ribeira de Sintra está bastante perigosa, pois foi construída uma barreira ao longo da linha, tendo a estrada ficado sem qualquer margem de segurança.
2. Falta de espaço para passear e andar de bicicleta
Numa altura em que se apela para que as pessoas façam exercício, quem quer efectivamente, naquela zona, não tem nenhumas possibilidades. As pessoas não têm passeios, nem espaço para passear ou andar de bicicleta, a não ser na própria estrada. Por exemplo, ao longo da estrada que liga Sintra à Praia das Maças se uma pessoa quiser dar um passeio, não tem onde, e a única solução será a de andar pela estrada (o que é perigoso, pois parece que o pobre passeante decidiu que o risco é a minha aventura!) ou, então, anda aos pulos saltando de sulipa em sulipa. Divertido, não é? Que qualidade de turismo é este? Que qualidade de vida se dá a quem vive nesta zona? Já vi um grupo de turistas com mochila às costas saltando de sulipa em sulipa e outros autóctones em situação idêntica.
Não me venham dizer que na zona do Banzão existe imenso espaço. É verdade, mas é próprio para passear ou andar de bicicleta? Não. O estado das áreas ao longo da estrada está deplorável.
3. A modernidade do eléctrico (ironia, claro!)
Nesta zona de Sintra, que se pretende que seja uma área de paisagem romântica e de lazer, nada está preparado para tal e as autoridades afectas ao eléctrico persistem num transporte do passado, com catenárias horríveis, e uma linha caduca e mal lançada em que a chiadeira do eléctrico (nas curvas) é incomodativa para as casas que se encontram muito próximas. Porque será que os nossos governantes gostam de contribuir para a poluição sonora? Certamente, ninguém verificou os decibéis que este transporte inútil produz. Prometo que, assim que o dito eléctrico começar a funcionar, irei provar o que estou a afirmar e envio uma pequena reportagem para o vosso blog.
4. Alternativa para uma ideia persistente
Já que pretendem continuar com o eléctrico e insistem em gastar dinheiro, porque é que não se adapta este aos tempos de agora? Circulação em via asfaltada, à semelhança dos eléctricos nas cidades, o que iria permitir (nos largos tempos em que o eléctrico não circula) as pessoas terem a possibilidade de passear e de andar de bicicleta e, até, as caleches dos cavalos poderiam alargar os seus percursos.
Estas são, apenas, algumas elucubrações. Certamente existem muito mais, mas agora deixo aqui, mais um protesto contra este despesismo num transporte do passado e que em nada contribui para atrair turismo à zona de Sintra – Praia das Maçãs. Lembremo-nos que passado é passado e será necessário pensarmos mais na qualidade de vida das pessoas e adaptarmos os equipamentos e espaços públicos aos seus utentes.
Caras amigas até breve com mais comentários.
Isabel Sarmento
Boa Tarde,
Excelente blogue e excelentes artigos, parabéns às Marias+Anas e a todos os que contribuem para o Chá de Sintra.
Muitos parabéns também ao Nelson Santos pelo fantástico comentário sobre o eléctrico. Não podia estar mais de acordo com o que foi escrito! Pena que as pessoas responsáveis por tamanho atentado ao dinheiro público, não tenham de pagar as despesas completamente inexplicáveis relacionadas com o modo como o famoso eléctrico é operado.
Melhores dias virão…
Diego Santini
Boa Tarde!
Parabéns por tocarem neste assunto, pois no meu círculo de amigos próximos da zona de Sintra e Praia Grande, todos refilam mas ninguém faz nada...
Eu tenho imensas "saudades" de quando podia sair de bicicleta da zona de Colares e aventurar-me por passeios,nada perigosos,mas sim divertidos pelas zonas circundantes.Agora a bicicleta enferrujou porque para passear tenho de andar no meio dos carros levando com a poluição destes e correndo o risco de ter um acidente.
Para mim,esta idéia de reabilitarem o eléctrico não podia ter sido pior. Este é o meu ponto de vista.
Não percebo quem toma decisões destas!
Concordo inteiramente com os comentários ao post do Nelson-que aliás parece estar devidamente fundamentado e agradeço ao blog uma vez mais por nos pôr a par desta vergonha.
Espero que consigam perceber as prioridades que a bela vila de Sintra necessita...
Um abraço,
Margarida Cunha
Concordo totalmente com o que publicaram sobre o eléctrico. Não vou alongar-me muito, pois os pontos principais sobre este assunto já foram expostos. Gostaria de deixar aqui a minha sugestão: O Eléctrico é giro para estar num MUSEU DO ELÉCTRICO DE SINTRA, com as máquinas velhas, fotos, pinturas, etc.. No local onde estão agora as famigeradas linhas deveria sim existir uma pista para peões e bicicletas, por forma a que quem vive nas zonas que o eléctrico atravessa (aos roncos e "gritos" estridentes) se pudesse deslocar sem perigo de ser atropelado. Isto sim, seria um passo em frente na qualidade de vida de todos os que aqui habitam ou visitam a zona. Só lamento que ideias "iluminadas" como as que conduziram à reabilitação do eléctrico vão para a frente, e que ideias "geniais" para poupar dinheiro e criar condições para a qualidade de vida das populações nem sequer sejam consideradas.
Concha
Ainda a propósito do eléctrico de Sintra, o leitor Pedro Macieira escreveu um artigo de resposta ao Chá de Sintra. Embora o texto só nos tenha sido enviado agora, foi publicado, em carta ao director, no Correio de Sintra de há quinze dias. Podem ler através do link http://www.correiodesintra.net/edicoes/CorreiodeSintra_N06.pdf,)
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